22 de junho de 2011

Entre o objectivismo e o subjectivismo ou um resumo da forma mental da classe média

“Filho: Pai, eu não quero ir para a escola.
Pai: Como assim?
F: Não quero. Quero ir contigo para o trabalho.
P: Não podes.
F: Porque não?
P: Porque tens escola.
F: Mas porquê?
P: Porque as crianças vão para a escola para aprenderem um trabalho que possam fazer quando forem grandes.
F: Mas eu quero ir contigo para o trabalho.
P: Isso não pode acontecer.
F: Mas porque é que não pode acontecer?
P: Porque as coisas são assim. Vês aquela senhora? Ela vai para o trabalho e a filha dela vai para a escola.
F: Porque é que os adultos vão sempre trabalhar?
P: Porque os adultos trabalham para pagar os brinquedos dos filhos.
F: Porque é que tens de pagar os brinquedos?
P: Porque as coisas têm um valor…
F: O que é um valor, pai?
P: Um valor é o que uma coisa custa.
F: E quem decide tudo isso?
P: O presidente deste país!”

Diálogo final entre pai e filho no filme “Ils se marièrent et eurent beaucoup d'enfants

6 de junho de 2011

O fetichismo do voto

A forma é tudo, o conteúdo é nada. Este é um dos traços essenciais de uma forma social fetichista, e foi exemplarmente ilustrado por Cavaco Silva na sua mensagem de apelo ao voto no dia da reflexão e do jogo Portugal-Noruega. Aqui é dito num dado momento aos eleitores que “se abdicarem de votar, não têm depois autoridade para criticar as políticas públicas”. Vale aqui, claro está, o princípio da forma, no qual é absolutamente indiferente o conteúdo da crítica. Não interessa a racionalidade do argumento (conteúdo), apenas se quem argumenta possui autoridade para argumentar (forma); autoridade que afinal tem de ser cedida, presumivelmente por quem votou. Saber se um indivíduo votou passa a ser condição para criticar ou poder entrar num debate e 59% dos portugueses podem agora com autoridade democrática mandar calar 41%. A forma vazia ganha aqui uma vida própria e uma autonomia verdadeiramente fetichista, o que associado a argumentos sobre a autoridade revela sem dúvida o potencial barbárico do nosso tempo.