6 de junho de 2011

O fetichismo do voto

A forma é tudo, o conteúdo é nada. Este é um dos traços essenciais de uma forma social fetichista, e foi exemplarmente ilustrado por Cavaco Silva na sua mensagem de apelo ao voto no dia da reflexão e do jogo Portugal-Noruega. Aqui é dito num dado momento aos eleitores que “se abdicarem de votar, não têm depois autoridade para criticar as políticas públicas”. Vale aqui, claro está, o princípio da forma, no qual é absolutamente indiferente o conteúdo da crítica. Não interessa a racionalidade do argumento (conteúdo), apenas se quem argumenta possui autoridade para argumentar (forma); autoridade que afinal tem de ser cedida, presumivelmente por quem votou. Saber se um indivíduo votou passa a ser condição para criticar ou poder entrar num debate e 59% dos portugueses podem agora com autoridade democrática mandar calar 41%. A forma vazia ganha aqui uma vida própria e uma autonomia verdadeiramente fetichista, o que associado a argumentos sobre a autoridade revela sem dúvida o potencial barbárico do nosso tempo. 

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